domingo, 2 de março de 2014

Fora de tempo

Ontem, ao parar em cruzamento da estrada do Arraial, que por sinal tem esse nome por conta do Arraial (Velho do Bom Jesus) que existia no parque que hoje se chama “sítio da Trindade”, fui abordado por um sujeito vestido de palhaço. Era em torno de meio dia e o sol queimava até pensamento. A tinta derretida escorria pelo seu rosto suado. Abri o vidro do carro depois de muita insistência sua e ele me alertou que se tratava apenas de propaganda, no que retruquei que pensara tratar-se de animadores do DETRAN. Ele então me perguntou se eu não tinha “conhecimentos” para colocá-lo nesta função etc. e coisa e tal. O trânsito deu uma pausa, fechei o vidro e danei-me pra casa. No cruzamento da rua Amélia com a rua do futuro, um "magrelozinho" desnutrido faz malabarismo com três bolas de tênis. Não sei por que ele se veste de palhaço . No cruzamento da Rosa e Silva com rua Amélia, um ciclista de monociclo também faz peripécias vestido de palhaço. A não ser em festa infantil, acho desperdício de juízo o sujeito enfurnar-se numa roupa larga, estampada de cores diversas e colocar meia bola de ping-pong no nariz. Mas todo palhaço, mesmo os que não usam a indumentária, tem suas razões decerto. Depois de cinquenta e três, ainda não sei como me comportar em determinadas situações próprias do meu habitat. Dia desses, no elevador, casal de fedelhos, depois de darem o bom dia protocolar, sugaram mutuamente suas línguas de tal forma que tive a nítida impressão de que o resto do mundo ficara a infinitos quilômetros de distância; sobretudo aquela pessoa translúcida de cabeça baixa a poucos metros. Às vezes tenho a sensação de que sempre vivi fora de tempo. Quando era mais jovem, tinha respeito enorme pelos mais velhos. Hoje, tenho respeito enorme pelos mais jovens.

Misantropia

Misantropia. Não que tenha ojeriza in totum pela vida em sociedade, mas a cada dia afasto-me mais dela. É explicável. Deixei de beber. Deixei de fumar. Durmo cedo. E sobretudo lapidei os ouvidos. Tô na base do essencial e imprescindível. Quem me conhece de há muito estranha, pois que era do tipo que chegava primeiro e saía por último. Só decepção. E o ser humano, pelo menos no meu mundo, não é flor que se cheire. De maneira que é mais prudente manter certa distância. Schopenhauer trata do assunto no dilema do porco-espinho. O dilema diz respeito à noção de que quanto mais próximos estão os porcos-espinhos, maior a probabilidade deles se ferirem mutuamente; mantendo-se distantes, irão sentir frio. Assim é na sociedade, onde o vazio e a monotonia fazem com que os homens se aproximem, mas seus defeitos, desagradáveis e repelentes, fazem com que se afastem. Difícil é achar a distância ideal. É por isso decerto muitos casais têm optado por morar sob tetos distintos. Acho atitude muito acertada, até quanto ao sexo. Dia desses num restaurante ouvi mulher em mesa ao lado confidenciar a amigos que estava muito feliz por o marido ter construído banheiro só pra ela. Deve ter sofrido e sentido horrores por anos a fio. Parece que a conclusão não decorre da premissa. Analisando a fundo todavia (sem trocadilho), percebe-se tem tudo a ver. Existe coisa mais desagradável ao amor, não obstante a normalidade fisiológica, do que o pum fora de hora?

Comenda

Não enxergo, hoje em dia, motivo decente pra comenda. Se o sujeito recebe pelo que faz, e, na maioria das vezes, muito bem, por que conceder-lhe distinção honorífica? Podem-me tachar de obtuso, de antissocial e coisa e tal, mas acho palhaçada, no estrito sentido do termo: ridículo medalhão que se ostenta em peito impregnado de soberba. Muita vez espertalhões que não soltam peido a favor do vento, malgrado terem construído sua “glória” em detrimento do fi-o-fó alheio. Não há negar, de há muito, e não só aqui, a vida em sociedade não prescinde dessa prática. Também não é de hoje que muitos a criticam. Leon Tolstoi retrata muito bem a situação em “A morte de Ivan illich”. Para quem não leu, a história trata-se da vida em sociedade do magistrado Ivan illich, e de seu calvário em face de dor repentina que o leva à morte. Pois que digo: prefiro a recompensa de casquinha mista, depois de longa fila de espera; kriptonita nossa de cada dia.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

PITU!

De tanto assistir a filmes de Hollywood “tipo" MacGyver, moldei o espírito na base de pequenas aventuras. Nos idos de 1997, inventei, pela segunda vez, de morar em Aldeia, malgrado a convivência nada amigável com muriçocas, grilos, baratas e afins. Herdei ar condicionado de 20.000 BTU da antiga dona, que decerto tinha tendência a esquimó, haja vista o pequeno espaço do quarto. Pois que era muito difícil dormir. Quinze minutos do bicho ligado, o frio já era insuportável. O jeito era atolar-se embaixo de edredom e suportar a barulheira, o que não prescindia de sono profundo de ondas lentas. Botei na cachola que o ambiente, à conta do aparelho, ficava com pouca umidade. Tinha tendência a me preocupar quando não havia nada com que se preocupar, particularidade que me acompanha até hoje. Comprei resistência, meti-a em recipiente com água e fiz ligação elétrica. A geringonça esfumaçava "nevoazinha" quente, mas por pouco tempo. Adaptei-a. Introduzi boia de descarga e fiz ligação hidráulica. De maneira que a água sempre ficava no mesmo nível. A danada dava uns estalos; dormia-se com aquilo. Certa feita, acordei-me por conta de estrondo medonho e princípio de incêndio: o caseiro fechara a torneira inadvertidamente e a resistência funcionou a seco. O jeito foi comprar ventilador e escancarar a janela. Naquele tempo, tomava café, religiosamente, três vezes ao dia. Mas mania de Brasileiro é tomar PITU, segundo Mução. Nunca gostei das quatro letras; nem do sabor, tampouco do efeito. Quando passei no vestibular de engenharia (haja tempo), subi a serra de Jundiá, em Vicência, e tomei, com amigos Vicencianos, três tubos da cachaça. A ressaca foi tão grande que até hoje não mais entornei o “nefasto” líquido. Fico surpreso e muito admirado quando trabalhador da construção civil, que com efeito labuta (lá) no pesado, ressalta: bebi quase nada, apenas um quartinho. Para quem não sabe, a medida corresponde a 250 ml, ou seja, ¼ de litro, o que, para mim, é suficientemente bastante ao regurgito de dois dias ou mais. No respeitante aos efeitos “lúdicos”, a gama é muito rica e diversificada. Há os que choram, os que ficam brabos, os que riem e os que dormem. E há aqueles que inopinadamente metamorfoseiam-se em carentes donzelas, decerto habitantes de seus superegos.

Quente pra Dedéu!

O Recife é quente pra Dedéu. Dedéu foi um homem de pernas muito longas, particularidade que o auxiliava bastante em percursos de longa distância. Um belo dia, ele resolveu conhecer uma cachoeira situada numa densa floresta. Malgrado ter caminhado durante todo o dia, não a encontrou, o que o levou a concluir ela ficava longe demais: "O lugar era muito longe para o Dédeu". Se o lugar era longe para o Dédeu que tinha pernas longas, então era longe demais para qualquer pessoa. A expressão foi estendida para qualquer coisa que denote muita quantidade ou intensidade. Tergiversei de antemão. Mas que volto à alta temperatura de nossa cidade. Pois bem, vez ou outra encontro em restaurantes, ou mesmo andando pela rua, ao sol do meio dia, simulacros de advogado completamente paramentados com seus paletós listrados, gravatas coloridas e arrogância peculiar. No tempo da casa de Tobias, indagava aos acadêmicos se a vestimenta era imprescindível ao exame de fezes, pois que na sala de aula não fazia o menor sentido. Vá lá que se empertiguem no fórum, mas no mormaço é dose pra elefante. Ante esse curtíssimo relato de quinta-feira, digo com convicção espartana: Ninguém é tão importante quanto aparenta sê-lo. Vale acrescentar: "Os espartanos deixaram uma pegada espiritual indelével. O simples fato de que ainda hoje em dia o adjetivo “espartano” designe qualidades de dureza, severidade, resistência, estoicismo e disciplina, nos dá uma ideia do enorme papel que cumpriu Esparta. Foi muito mais que um simples Estado: foi um arquétipo, foi o máximo expoente da doutrina guerreira. Por trás da fachada perfeita de homens aguerridos e mulheres atléticas se escondia o povo mais religioso, disciplinado e ascético de toda Grécia, que cultivava a sabedoria de um modo discreto e lacônico, longe da euforia e das baixezas urbanas que já então haviam feito sua aparição."

Medo de Avião!

Fujo de perigo como o Diabo foge da Cruz. Não me conte que pulou de “body jumping”, pois que não tenho interesse por isso. Prefiro cama macia, travesseiro com capa anti-ácaro e televisão de 47 polegadas. Posso até aventurar-me numa trilha, mas tudo muito bem planejado, cronometrado, com consequências previsíveis. Não engulo esse troço de adrenalina. Prazer pelo inusitado nunca foi meu forte. Prefiro calçada. Se vou de bike pra o trabalho, o faço à conta do trânsito. E só. E não me venham com a conversa de que andar de carro é tão perigoso quanto, pois que não é, uma vez que se tem a proteção da lataria e do motor; de bike, nada se tem. Há mais ou menos vinte anos, arrisquei viagem internacional; fui a Orlando, na Flórida, depois de muita insistência de colega que morava por lá. Só suportei o trenzinho que adentrava, com certa velocidade, em cavernas e espaços pouco convencionais. Montanha Russa Nem pensar. Medo efetivamente não tenho, porém gostar de avião não gosto. Prefiro o solo. Estatísticas? Deixo-as para quem trabalha com elas; mas que não encontro justificativa, mormente nesse nosso país tropical de sextas-feiras etílicas, que me leve a acreditar, de forma incondicional, tudo corre a mil maravilhas. Fico impressionado com a naturalidade de certas pessoas. Andam com desenvoltura de pista de dança (quando se sabe dançar, é claro). E se levantam, e vão ao banheiro, riem e acham normal centenas de toneladas trepidarem por entre nuvens. O que mais gosto numa viagem é a perspectiva da volta. Antever o debruçar-se na janela e a vista, por entre prédios, de pontinha do mar. E tenho plena convicção, com Voltaire (Cândido): Não é preciso viajar para descobrir que o céu é azul. E falando em Voltaire, lembrei-me do senhor Pangloss, que inspirou Machado de Assis (A explicação do Doutor Pangloss é que o nariz foi criado para uso dos óculos), que por sinal era mulato, filho de lavadeira e fundou a Academia Brasileira de Letras. O Joaquim Barbosa, presidente do STF, que determinou a prisão dos mensaleiros, é negro e veio de família humilde. Não sei se é por isso que ele se empenhou tanto nesse caso, mas tenho cá desconfiança. Não defendo de jeito maneira impunidade, tampouco coaduno com argumentos que se fiam em comparações, mas que é inegável FHC e corja "a fortiori" mereciam estar atrás das grades também.

Meia maratona de Natal!

Antigamente lia até obituário de Jornal. Tinha interesse “macabro” por tudo quanto era notícia. Boa parcela de minhas horas diárias era gasta na leitura dessas folhas que incomodam muito quando a janela está aberta, ou quando se está a lê-las na praia. De fato, é idiotice sem tamanho ler na praia, pois que além do visual do horizonte que, diga-se de passagem, ao nível do mar é muito mais bonito, há as paisagens humanas, em trajes mínimos, o que não se é de desprezar por qualquer humano que tenha saliência fora do corpo que ainda funciona por estímulos visuais. Mas há certas coisas que se faz pelo costume e outras nem tanto. Às vezes, pergunto-me, cá com meus botões, e aqui faço parênteses para dizer a expressão, segundo Márcio Cotrim, vem dos tempos em que se gastava deveras tempo para colocar os botões em seus devidos orifícios, qual o motivo que leva o sujeito a sair de casa num sábado de manhã, viajar quatro horas metido num automóvel, almoçar comida de shopping, que não vale o gato enterra em areia fofa, e depois sujeitar-se a ficar num “mói” de gente sem fim, para, ao final, gastar suas energias remanescentes numa corrida por via escura e com muito vento. Mas a cidade de Natal está entregue às moscas. Já o tinha percebido quando no final do ano passado viajei com minha rebenta pra admirar aquelas paisagens maravilhosas que a natureza proporciona e os políticos vagabundos insistem em não preservar com a ajudinha do povo que, como já disse alhures, apesar de ter aumentado a renda, continua na idade da pedra no que diz respeito à educação. Os shoppings todavia mantém-se à parte de toda sujeira e desorganização que se percebe nitidamente quando se anda de carro ou a pé naquela cidade; se bem que a pé é muito mais complicado por lá. Enquanto se paga seis reais que, ressalte-se, não é pouco, para deixar o carro quando se vai comprar mercadorias, dar um passeiozinho ou apenas uma mijadinha nesses centros comerciais, aqui em Recife, na cidade dos reis magos, pelo menos no “mall” em que fui pegar o Kit da corrida que consumiu minhas energias nesse sábado que também se correu a corrida do circuito adidas no marco zero, não se paga nada. De modo que todo meu esforço na busca de guichê para pagar o ticket de entrada foi em vão, como também o é essa minha conversa à toa nesse domingo enfadonho de fantástico, o show da vida, apesar de que ultimamente não tenho assistido televisão, mas aí já é outra história .