domingo, 2 de março de 2014

Há dias em que as coisas não batem

Há dias em que as coisas não batem. Hoje, verbi gratia. Fui dormir na hora rotineira: 22Hs. Às 2:40 hs já tava aceso. Segundo a pulseira UP, acordei no sono NREM. Aí são dois os caminhos: ou se fica na cama, espichando-se feito tripa, ou se pula pra um livro. Adentrei no primeiro. Rolei pra um lado, pro outro, até que me acordei no meio de um sonho muito esquisito. Não sou de lembrar-me de sonhos, mas esse se impregnou nos circuitos mentais. Tinha morrido (tava lembrado do motivo mas esqueci) e minha “alma” (logo eu que não acredito na “mardita”) visitava toda a minha família, inclusive o meu irmão mais velho, que já morreu, mas que no sonho permanecia vivinho da silva. E havia certa comunicação dos vivos com o morto, mas aos poucos a minha “alma” ia sumindo. Levantei-me às 4:40hs, cansado, enfadado e chateado. Pra completar, começou a chover. Como já preparara a indumentária, e o pensamento já havia sido moldado de forma suficiente para aceitar o trânsito em frente ao Aníbal Bruno, que tem mais visitantes do que presos, pelo menos no horário em que passo por lá, danei-me pra cidade universitária. O céu deu uma trégua, mas o negrume das nuvens insistia. Comecei no meu peculiar passo de tartaruga, pra aquecer. Ultrapassado o cemitério da Várzea, que me fez recordar o sonho, São Pedro deu as caras e aguou a imundície que assola o entorno da CDU de forma contumaz. Mas veio “de com força” e alagou tudo. Pois que é assim: chuva na nossa “capitá” tem que ser leve e “curta”. Não há placa de concreto que resista à chuva grossa. Pode-se afundar o dinheiro do mundo todo em cimento, se não houver via de escoamento fura-se tudo; verdade verdadeira a máxima “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Escondi-me embaixo de telha “brasilit”, puxadinho de uma barraca. Toda vez que passava um ônibus, levava um banho. Os motoristas fazem de propósito. Foda é que há no código de trânsito um artigo que proíbe a atitude. Esse é o tipo de dispositivo inócuo, pois que não há fiscalização. Aliás, não há fiscalização de merda nenhuma nesse país de novos ricos. Depois do aguaceiro, saí pulando feito bode, me livrando das poças. Calor e chuva. Acho que só acontece isso pelas bandas de cá. No sul, ou sujeito se fode no frio ou se apoquenta no calor. Aqui, não. É a chuva caindo e o calor comendo no centro. Enfim, aportei na padaria do totó, onde compro água mineral. Dei respirada e danei-me pra Zé Rufino. A chuva castigou de novo e eu a aceitei. O tênis aos solavancos. Sobe e desce meio fio, pula poça, desvia de capa cego. E os motoristas felás (árabes) da puta. É impressionante como a vida vale pouco. Os sujeitos não aliviam em nada; se bater no pedestre, que se foda, pois tudo continua do mesmo jeito. De maneira que fui-me livrando até chegar na 232. Como tava nublado e ainda “neblinando”, supus que uma garrafinha de água seria suficiente. Me lasquei. O sol abriu pra valer. Foi sede até a praça da Várzea, onde tomei em compensação uma maravilhosa água de coco. Arrastei-me até a CDU. Desmilinguido.

Não vou só de bike

Não vou só de bike. Apetecem-me também os ônibus, sobretudo o que vem de um lugar depois de Nova Descoberta chamado Cassiterita, não obstante alcançar somente a Rosa e Silva. É que o Córrego da Areia, apesar de passar na Agamenon, trafega pela Rui Barbosa, sempre engarrafada. Mas não me importo de pegar qualquer ônibus que passe perto da Jaqueira; se engarrafar, desço e vou a pé. O carro fica na garagem, guardadinho. O Cassiterita é micro-ônibus, acho que sobra do transporte alternativo que dominava o Recife, no tempo de João Paulo. Trafega pela rua do Futuro. Alguns têm ar condicionado. Vez ou outra, o comum inusitado. Quarta-feira, vários adolescentes, vindos de escola que não pude identificar pela farda, adentraram no coletivo. Uma mocinha de mais ou menos dezessete anos e um rapazinho, com pinta de donzelo __ o assunto não prescinde de estudo mais elaborado, em momento oportuno__, de mesma faixa etária, sentaram-se ao lado de mim. E a conversa rolou solta. Acho que se tratava de vestibular. Ele, calouro do curso de engenharia; ela, indecisa. De forma nítida, rolava um “clima”, uma paquera. Olhares, risinhos, tudo como manda o figurino. Em certo momento, ela, mais incisiva, perguntou: Qual o teu nome? Estamos conversando há bastante tempo e ainda não sei o teu nome?! Depois das devidas apresentações, o rapazola pediu parada e desceu, não deixou entretanto de escutar “amanhã a gente se fala na escola”. Achei muito legal. Lembrei-me na hora de minha saga no Forró do Náutico, no auge dos meus 18 anos, quando respondi que meu nome era Benedito e fui intimado a deixar de brincadeira e a dizer o meu nome verdadeiro. Noutro dia, escutei na marra o “pastor’ RR Soares. O motorista colocou o rádio nas alturas. Porra, até no coletivo aquela conversa mole de ungir as coisas. Esses sujeitos são uns “cara de pau”, e o povão, malgrado tão esperto pra certas coisas, deixa-se iludir facilmente. Ungir um cacete! Mas que volto à paquera. Decerto não transpassou de forma significativa pelas cabeças daqueles estudantes, naquele momento de pura catarse, qualquer sentimento relevante sobre o futuro ou outra inconveniência. As palavras saíam, mas com significado adaptativo ao contexto. Essa é a graça da coisa. Gostar por gostar, sem cobranças, sem exigências, sem se pensar em mais nada, e sentir-se bem com isso. Tudo o mais se faz por contrato.

Trânsito

Essa semana voltei à bike dobrável. Depois da queda em boca de lobo, fiquei meio assustado. Além do que a possante ficou desconjuntada; afolozada, a bem da verdade. Levei-a na Impact Bike em Casa Amarela, e deram-lhe um trato significativo. Ficou novinha em folha. Retornei ao velho percurso Casa Amarela - Agamenon. É impressionante como os motoristas não respeitam as magrelas. Puta que pariu! Bando de energúmenos! Pensam que as ruas, e também as calçadas, são de uso exclusivo dos carros. E o prefeito filhote do Costinha vive incentivando a população a andar de bike. Acho irresponsabilidade. Primeiro deveria haver campanha educativa pra informar, relembrar, esclarecer, incutir na cabeça dos desmiolados motoristas que as ruas não lhes pertencem, que há de haver compartilhamento. Acontece que, é o que transparece das ações, ninguém tá aí pra coisa nenhuma. Estão prometendo fazer num sei quantos quilômetros de ciclovias pra daqui a dez anos. É brincadeira. Não querem efetivamente resolver o problema do trânsito. Vou enumerar quatro medidas, apenas quatro, que dariam uma guinada na esculhambação atual: 1) Criação de faixa de rolamento exclusiva para todo e qualquer meio de transporte coletivo, que necessariamente teria que ter ar condicionado. 2) Proibição de se estacionar veículos num raio de 300 metros de qualquer colégio (seria uma maravilha para os pais e para os filhotes que teriam a oportunidade de fazer uma caminhada diária de no mínimo 600 metros). 3) Proibição de carga e descarga de mercadorias das 06 às 09 hs, e das 12 às 14 horas; se a operação demandasse maior número de horas, de forma necessária, deveria ser feita no período noturno, depois das 20 Hs. 4) Criação de ciclovias, devidamente demarcadas, em vias com mais de 1 KM. Mas não, ficam com puxa encolhe, com conversinha mole e coisa e tal. Parece até que todos os problemas foram resolvidos com a criação da ciclo faixa aos domingos. Ninguém nem houve mais falar em, como é mesmo o nome?, Ah, sim, João Braga. Mas a prefeitura tá alugando helicópteros pra mapear os imóveis, inclusive com a utilização de raio laser. Tudo em nome do IPTU. Já os esgotos pululam em velocidade constante. Efetivamente, acho esses “gestores” do Recife muito fracos, pra não dizer outra coisa. Mas se convive com isso. Pior é falta de ar ou problema do coração, seja de ordem material ou sentimental.

Meu negócio está de pé

Meu negócio está de pé, tudo depende agora de sua posição. O nome do proponente Armando Botelho Pinto, vulgo Dr. Fuldêncio. Para o oblato, tudo leva a crer se trata de enrabação. Pois é assim, às vezes diz-se uma coisa e na recepção entende-se outra. Nos filmes hollywoodianos tem muito disso. O Americano é craque em criar expectativa. Vai moendo. O sujeito declara o seu amor, no que é correspondido, mas as coisas vão-se complicando, complicando, pra tudo dar certo no final. Não me esqueço de “O Sexto Sentido”, em que a alma de “Bruce Willis” zombeteia o filme inteirinho como se matéria fosse. Já o Brasileiro é imediatista. Se é pra ter sexo, tira-se logo a roupa, mostra-se meio metro de peito e vasta cabeleira sexual. Cláudia Ohana ficou famosa na particularidade. Na década de oitenta era o “must”. Por incrível que possa parecer, assisti a filme em que Eva Vilma desfila nuinha da silva. Bundinha chocha. Mas os atores têm mania de dizer que tudo é de “forma técnica” e coisa e tal. Alegar tecnicidade em cena cujo ator se posta nu em cima de atriz também nua é o mesmo que afirmar chifre em cabeça de cavalo. A não ser que o sujeito não goste da fruta, tenha problemas circulatórios, ou seja casado de há muito com a parceira. Chuchu não tem gosto, mas faz bem à saúde.

A caravana passa e os cães ladram

Não assisto televisão aberta. Acho que não perco muita coisa. Mas a minha “ausência” não é por conta de nenhuma linha, tendência ou seja lá o que for; é porque não gosto de verdade. Ariano Suassuna, o nosso maior escritor paraibano, declara de boca cheia que gosta muito. Não vejo demérito nisso. Nem fantástico, nem novelas, nem nada. Exceção é o Jornal de sangue do meio dia (Cardinot), depois do almoço, hora do cochilo (soninho da beleza). Acho que tudo é uma questão de objetivo. De prioridade. O tempo urge, a caravana passa e os cães ladram.

Máxima

Toda gente se apega a determinada máxima alguma vez. Parece que a maldita foi feita exclusivamente pra você, o tanto que lhe toca. À parte os solecismos mentais próprios do processo de formação, isso acontece decerto à conta da experiência: “Praxis est iudicium veritatis” (A prática é o critério da verdade). Nos idos de 1970, meu pai consultava um advogado que prometia resolver pendência relativa à licença de funcionamento de sua farmácia. Numa das visitas, lá estava eu. O sujeito era gordo e falante. Bigode tipo suíças. Bonachão. O escritório era grande e tinha um birô recoberto por vidro, "cheinho" de cartões por baixo. Na parede, vários diplomas. Pode ser até que houvesse um de curso de datilografia, muito comum naquela época, quem sabe? Um de forma particular me tocou: “Diploma de vida, acostumado a vencer dando murro em ponta de faca”. Com efeitos retroativos, depois de 40 anos consegui diplomar-me. Essa semana me afetou a “Senectus Morbus”. Pois que não é verdade verdadeira! A velhice com efeito é doença, e como tal deve ser tratada. Merecem reparo o corpo e a mente; esta em especial tratamento de choque. Não é pra menos. Atualmente, adaptar-se a certas coisas “permissa venia” é Phoda com ph. Liga-se a televisão e três veados fazem a festa. Se se diz que não se gosta de “viadagem”, pode-se incorrer em “crime” de homofobia. Ou seja, tem-se que aceitar e aplaudir a putaria de todo jeito. Um professor da Universidade Rural está sendo execrado por não concordar com certos exageros de alguns gays. O besteirol foi manchete em todos os jornais locais. Tanta coisa com que se preocupar, ou melhor, noticiar, e os caras ficam com essa tolice de querer incriminar o professor que, a meu ver, não disse nada demais (pode ser que tenha sido infeliz no uso de algumas palavras). Outra. Maconha. E eu tenho mais cabeça para aceitar o uso da maconha como se fosse coisa normal. Tico e teco (neurônios) que ainda trabalham pra caralho não vão nessa não. E o Brasil é Uruguai? É não, é muito diferente. Só sei que ao meio dia vejo a desgraceira na televisão. Ontem mesmo filho matou a mãe e a irmã por conta de R$ 350,00, pra comprar maconha. Ressalte-se: maconha. Não foi crack não. De maneira que não obstante esses pensamentos tortos e desconexos, vou tomando minha dose diária de endorfina, pois que “mens sana in corpore sano”.

DNA

Na época de Machado de Assis não se fazia exame de sangue, nem tampouco de DNA. Ezequiel com efeito pode ter sido o pai do filho de Capitu, mas não havia certeza. É inegável quando os filhos crescem geralmente se parecem com os seus pais. Parecer com vizinho ou amigo com efeito não é normal. A incerteza faz muito mal pra quem não entende que pai é aquele que cria, particularidade de mais fácil aceitação todavia quando se sabe de antemão de onde partiu o espermatozoide. Dia desses, assisti a programa fuleiro em que casal café com leite trocava farpas por conta do filho loiro. A mulher irredutível. É dele. E o sujeito injuriado. Me traiu. E o rolo com acusações infindáveis. Puxou-se a família. A jararaca da sogra. Nessas horas sempre se vai atrás das origens. Qualquer deslize é mote suficiente. Depois do bafafá, abriu-se o exame. O rebento era filho do negão. Conheço sujeito muito gente boa, malgrado algumas idiossincrasias. Certa feita o encontrei abraçado com uma árvore na praça de Casa Forte. Não há nada de estranho em revelar o amor que se sente pela natureza. Mas às vezes se extrapola. Envereda-se até pelo reino animal. Um caruaruense se apaixonou por uma jumenta. Pode isso? Quando morava ao lado do Arriégua __ cujo dono é Ceará, o buchudinho que é, ou era, professor de economia da UFPE, e é muito gente boa__ implicava com colega por meio de galinha imaginária chamada cocó, que alegava ser sua paixão de infância. Ele ficava furioso. Sobretudo quando refazia os diálogos amorosos: cocozinha meu amor . . .cocó . . có. Lembra até Lolita de Nabokov: “Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes.” Mas que volto à arvore de Casa Forte. Nem sei se se trata do Jatobá. Não me lembro. Mas o sujeito tava feito lesma, esparramado de braços abertos. De fato ele é gente boa, mas os seus circuitos mentais frequentemente necessitam de lubrificação. Conheci-o apaixonado por uma moça muito mais jovem e bonita, apesar de casado e com uma ninhada de filhos. Aquilo o massacrava. Pois bem, descasou-se e por puro lance de sorte travou relacionamento com a beldade. Depois de pouco tempo, a moça estava completamente apaixonada. Ele entretanto deu ré. A coisa desandou. Fato é que existia uma gordinha no meio do caminho. Namorada da adolescência. Casaram-se no juiz e tudo. Amor pra todo lado. Legítimo. Pelo menos no dizer de suas confidências. Mas aí os efeitos do tempo e da convivência não perdoaram. Bem, vai passar muito tempo no banheiro? O fim. Não há amor que resista. Nesse ínterim, filho. A paixão mudou de direção, mas as inconveniências persistiram. Diferentemente de Bentinho, bateu-lhe na cachola certa incongruência de datas antes de o rebento completar um ano. Disfarçadamente, colheu um pouco de saliva e fez o DNA. O filho não era seu.

Pessoa Melhor

O facebook organiza retrospectiva do cristão com base em posts guardados não se sabe onde. A internet pra mim ainda é mistério. Já falei alhures, porém não custa repetir, sou do tempo da máquina de escrever, de maneira que os atuais avanços tecnológicos me causam grande espanto e interesse.

O que chama atenção com efeito não prescinde de boa dose de mistério. Praia é lugar onde se percebe bem isso. Nunca mais fui à de Boa Viagem. Quando ia a visão ficava tão encharcada de bundas metidas em fios dentais que não havia espaço para outros sentimentos.

De sorte que como estava ficava e, depois de certo tempo, pois que há particularidades físicas que não podem com efeito ser desprezadas, sucumbia muita vez à escuridão dos olhos fechados. Não há negar, é preferível o desbravamento de uma gaúcha em dia de frio, pois nem só de bunda vive o homem. Além de que as loiras e as branquinhas, pelo menos para os Nordestinos e jogadores de futebol, são mais atraentes, malgrado às vezes quando desprovidas das graves vestimentas assemelharem-se a papa de aveia, que não obstante o valor nutritivo de forma prazerosa só se come uma única vez.

E tem a voz. A voz é fundamental. Não há tesão que resista ao sotaque cearense, pelo menos na fase em que a consciência está no controle, o que decerto não diz com a juventude ou quando se está sobre o domínio de Baco. Mas que volto à retrospectiva. Dizem que recordar é viver novamente. Acho que a máxima encerra certa dose de verdade. Mas é perigosa. Se se olha só para o passado, entra-se em "loop” e não se vai adiante. É melhor tirar foto panorâmica e analisar o contexto.

Pretendo em 2014 tornar-me uma pessoa melhor.

Fora de tempo

Ontem, ao parar em cruzamento da estrada do Arraial, que por sinal tem esse nome por conta do Arraial (Velho do Bom Jesus) que existia no parque que hoje se chama “sítio da Trindade”, fui abordado por um sujeito vestido de palhaço. Era em torno de meio dia e o sol queimava até pensamento. A tinta derretida escorria pelo seu rosto suado. Abri o vidro do carro depois de muita insistência sua e ele me alertou que se tratava apenas de propaganda, no que retruquei que pensara tratar-se de animadores do DETRAN. Ele então me perguntou se eu não tinha “conhecimentos” para colocá-lo nesta função etc. e coisa e tal. O trânsito deu uma pausa, fechei o vidro e danei-me pra casa. No cruzamento da rua Amélia com a rua do futuro, um "magrelozinho" desnutrido faz malabarismo com três bolas de tênis. Não sei por que ele se veste de palhaço . No cruzamento da Rosa e Silva com rua Amélia, um ciclista de monociclo também faz peripécias vestido de palhaço. A não ser em festa infantil, acho desperdício de juízo o sujeito enfurnar-se numa roupa larga, estampada de cores diversas e colocar meia bola de ping-pong no nariz. Mas todo palhaço, mesmo os que não usam a indumentária, tem suas razões decerto. Depois de cinquenta e três, ainda não sei como me comportar em determinadas situações próprias do meu habitat. Dia desses, no elevador, casal de fedelhos, depois de darem o bom dia protocolar, sugaram mutuamente suas línguas de tal forma que tive a nítida impressão de que o resto do mundo ficara a infinitos quilômetros de distância; sobretudo aquela pessoa translúcida de cabeça baixa a poucos metros. Às vezes tenho a sensação de que sempre vivi fora de tempo. Quando era mais jovem, tinha respeito enorme pelos mais velhos. Hoje, tenho respeito enorme pelos mais jovens.

Misantropia

Misantropia. Não que tenha ojeriza in totum pela vida em sociedade, mas a cada dia afasto-me mais dela. É explicável. Deixei de beber. Deixei de fumar. Durmo cedo. E sobretudo lapidei os ouvidos. Tô na base do essencial e imprescindível. Quem me conhece de há muito estranha, pois que era do tipo que chegava primeiro e saía por último. Só decepção. E o ser humano, pelo menos no meu mundo, não é flor que se cheire. De maneira que é mais prudente manter certa distância. Schopenhauer trata do assunto no dilema do porco-espinho. O dilema diz respeito à noção de que quanto mais próximos estão os porcos-espinhos, maior a probabilidade deles se ferirem mutuamente; mantendo-se distantes, irão sentir frio. Assim é na sociedade, onde o vazio e a monotonia fazem com que os homens se aproximem, mas seus defeitos, desagradáveis e repelentes, fazem com que se afastem. Difícil é achar a distância ideal. É por isso decerto muitos casais têm optado por morar sob tetos distintos. Acho atitude muito acertada, até quanto ao sexo. Dia desses num restaurante ouvi mulher em mesa ao lado confidenciar a amigos que estava muito feliz por o marido ter construído banheiro só pra ela. Deve ter sofrido e sentido horrores por anos a fio. Parece que a conclusão não decorre da premissa. Analisando a fundo todavia (sem trocadilho), percebe-se tem tudo a ver. Existe coisa mais desagradável ao amor, não obstante a normalidade fisiológica, do que o pum fora de hora?

Comenda

Não enxergo, hoje em dia, motivo decente pra comenda. Se o sujeito recebe pelo que faz, e, na maioria das vezes, muito bem, por que conceder-lhe distinção honorífica? Podem-me tachar de obtuso, de antissocial e coisa e tal, mas acho palhaçada, no estrito sentido do termo: ridículo medalhão que se ostenta em peito impregnado de soberba. Muita vez espertalhões que não soltam peido a favor do vento, malgrado terem construído sua “glória” em detrimento do fi-o-fó alheio. Não há negar, de há muito, e não só aqui, a vida em sociedade não prescinde dessa prática. Também não é de hoje que muitos a criticam. Leon Tolstoi retrata muito bem a situação em “A morte de Ivan illich”. Para quem não leu, a história trata-se da vida em sociedade do magistrado Ivan illich, e de seu calvário em face de dor repentina que o leva à morte. Pois que digo: prefiro a recompensa de casquinha mista, depois de longa fila de espera; kriptonita nossa de cada dia.