domingo, 20 de setembro de 2009

Maconheiros!

Virou moda. Toda semana um ator da rede Globo se revela “ex-viciado”. A bola da vez: Fernandinha Montenegro (Revista “Isto é”).

Hipócritas. São todos hipócritas. Qualquer probleminha de “merda”, verbi gratia, o fim de um relacionamento, uma discussão familiar, uma decepção no trabalho, e coisitas afins, afundam na maconha e na cocaína. Passam um mês numa clínica e voltam garbosos, com a maior naturalidade, propalando a façanha. E o povo engole, elogia, acha o máximo.

Essa “elitezinha” de merda deveria ser banida dos meios de comunicação, no mínimo.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Lugar-comum

Ando meio distante do blog. Tenho corrido pouco, à conta da dor na panturilha. Vou voltar. Mas não como antes. O meu foco, de agora por diante, vai ser o controle da freqüência cardíaca. Vou tentar não me desviar disso. Com certeza, colherei melhores resultados, especialmente quanto à saúde.

Mudando de assunto, estou lendo “lugares comuns”, de Fernando Sabino. Vocês sabem o que é um lugar-comum? Vejam o que diz o escritor:

Quando um substantivo e um adjetivo aparecem sempre juntos acabam formando um lugar-comum.

Lugar-comum. Aqui, o substantivo juntou-se ao adjetivo para formar uma terceira palavra, dar nome a alguma coisa mais. Alguma coisa comum, ou seja, trivial, batida, vulgar, ordinária como expressão de uma idéia, e que tanto pode assumir a forma verbal, como a de certas atitudes intenções e mesmo objetos em determinadas circunstâncias.

Determinadas circunstâncias, por exemplo, é um lugar-comum.

A existência do lugar-comum depende, pois, da idéia que pretende exprimir; a trivialidade nasce da sua repetição. “A Última Ceia” de Leonardo da Vinci não é trivial, mas sua reprodução numa sala de jantar é um lugar-comum. Já o pingüim de louça em cima da geladeira invade o domínio do Kitsch: o lugar-comum como pseudo-arte, na forma de objeto ou estilo de mau gosto.

(. . .)

O Homem é um animal racional, embora não pareça. Não há criança que, na escola, não tenha achado graça ao aprender isto, divertindo-se com os colegas: seu pai é um animal, dizem uns para os outros.

Mas a criança é o pai do homem, se me permitem este lugar-comum que Wordsworth inventou. Antes de se saber animal e filho de animal, já se sabe usar a razão que Deus lhe deu, segundo a qual as palavras têm um significado concreto e definido, que pode ser colhido nos dicionários, servindo para designar exatamente aquilo para o qual foram criadas. Em conseqüência, os mistérios da linguagem figurada escapam de muito à tão apregoada imaginação infantil.

Para as crianças, nada existe senão ao pé da letra __ e não duvido que, diante desta expressão, pensassem logo numa letra com pés, dedos, unhas e sapatos. Ir num pé e voltar noutro, por exemplo, para o menino que fui, era uma façanha tão difícil como sair pela rua pulando numa perna só, depressa para atender a urgência contida na ordem de minha mãe.

Assim também, meu pai mandar que o empregado desse um pulo na cidade me parecia uma ordem extravagante, como ordenar que o pobre homem fosse até o centro da cidade, juntasse as pernas, desse um pulo no ar diante dos transeuntes e voltasse para casa. Nunca me conformei com a idéia de virar um palito se comesse pouco ao jantar, de virar uma bola se comesse muito e, em ambas as hipóteses, ficar de cara amarrada porque não queria obedecer. Amarrar a cara evidentemente só seria possível com auxílio de cordas, e se nela houvesse um só pingo de vergonha, ela me escorreria pelo rosto como uma lágrima até pingar no chão.

Mas a fé removia montanhas __ o que bastava para fazer desaparecer o morro atrás do qual o sol se escondia. Um dia ouvi uma visita dizer que tinha feito das tripas coração, o que constitui um sério abalo para as minhas ainda confusas noções de anatomia. Ficar com o coração na mão era coisa que só muito mais tarde vim a entender __ e reconheço que, desde então, isso passou a me acontecer com alguma freqüência.

Começa a penetrar os mistérios da linguagem figurada e ia ingressando, submisso, no mundo convencional que me deixavam como herança. Idéias que só se impõem pelo fato de ser repetidas; hábitos que se formam pelo fato de ser impostos; palavras cuja significação original há muito se perdeu e que são usadas como rebanhos pacíficos. Gestos de valor convencionado como o das moedas, para o comércio da convivência.

Um dia descobriria com espanto uma simples verdade, como o céu é azul, o oceano é imenso, a noite é bela. E o céu passava a ser azul só para mim, o oceano imenso porque eu o queria assim, a noite era a mais bela que o dia porque era só minha, de mais ninguém. As idéias herdadas iam sendo reaprendidas, iam sendo desenterradas do lugar comum como uma recriação. Era o que eu precisava para me tornar escritor.

Escrever bem não é repetir o que já foi bem escrito: é revalorizar os meios de expressão, juntar ou separar palavras para fazê-las reagir, servir-se do que já foi dito para dizer pela primeira vez. Como fez Gide, ao confessar: “Os extremos me tocam.” Como fez Machado de Assis, ao dizer que “o major chovia a cântaros”. Como fez Mário de Andrade, exclamando: “Amar sem ser amado, ora pinhões!” É preciso reabilitar para a literatura as idéias cuja expressão a frase feita consumiu. Surpreender o lugar-comum como a um inimigo a libertar a verdade que possa encerrar. Usar esta verdade na descoberta de outras que um dia venham a ser lugar-comum.