domingo, 30 de abril de 2017

Acaso

Leonard Mlodinow é um escritor estadunidense. Na verdade, é mais do que escritor. É físico. Metido também com televisão e cinema. Foi roteirista de séries como MacGyver e Star Trek. Os seus livros mais famosos são “O andar do bêbado” e “Subliminar”, não obstante ter escrito “A Briefer History of Time” de forma conjunta com Stephen Hawking. Li “subliminar” faz algum tempo. “O andar do bêbado”, devorei-o nessas duas últimas semanas. Não obstante os cálculos probabilísticos, que num primeiro momento transparecem certa complexidade, achei-o mais “simplório”. A forma como Mlodinow escreve é parecida com a de um escritor de livros de história da nossa “terra Brasilis” de nome Eduardo Bueno, conhecido como “Peninha”; só que este, além de imbecil, é completamente desinformado. O cabo de Santo Agostinho, onde decerto aportou Francisco Yanez Pinzon, fica ao sul do Recife, e não ao norte. Mas se igualam na forma clara e concisa de seus escritos. Mlodinow, pelo que percebi, gosta muito de fazer digressões biográficas, se assim se pode dizer. Despertou-me a atenção a de Blaise Pascoal, o famoso matemático, que, juntamente com Fermat, formulou a Teoria das probabilidades. Ele diz que Pascal tinha ataques intermitentes de dores de barriga, com dificuldades para engolir e manter a comida no estômago. Que sofria de uma fraqueza debilitante, fortes dores de cabeça, surtos de suor intenso e paralisia parcial nas pernas. Fez-me lembrar de uns “buchudinhos” cheios de lombriga que habitam as cidades do interior de Pernambuco, maculadores da ordem natural no que diz respeito – parafraseando a esquecida Dilma - à composição do corpo humano; em vez de cabeça, troco e membros, só cabeça e bucho. Cabeças, avolumadas, a pender de um lado pra outro, num extraordinário exercício de equilíbrio. Mebendazol. Tergiverso. Que, naquele tempo, Pascal seguia estoicamente as prescrições dos médicos, que incluíam sangrias, laxantes, o consumo de leite de jumenta e outras porções “asquerosas”, que ele acabava por vomitar. À beira do desespero, consultara junta médica em Paris que lhe teria prescrito o tratamento mais moderno da época: “evitar todo trabalho mental continuado, devendo-se buscar ao máximo qualquer oportunidade de se distrair. Na “ociosidade”, ele criou o “triângulo de Pascal”, que é útil quando se quer saber o número de maneiras pelas quais podemos selecionar algum número de objetos a partir de uma coleção que tenha um número igual de objetos. Que depois de um “transe”, ele afirmara que Deus descera sobre ele e, no espaço de duas horas, o libertara dos caminhos corrompidos. Após a revelação, Pascal teria se afastado da maior parte de seus amigos, chamando-os de “terríveis ligações”. Vendera sua carruagem, cavalos, mobília, biblioteca – tudo, a não ser a Bíblia. Doou seu dinheiro aos pobres, ficando com tão pouco para si que muitas vezes precisava pedir esmolas ou empréstimos para conseguir comida. Passara a usar um cinto de ferro com pontas voltadas para o lado de dentro, mantendo-se em constante desconforto, e cravava os espinhos do cinto na carne sempre que corria algum risco de se sentir feliz. Ainda assim, ele continuou produtivo. Nos anos seguintes, registrou suas ideias sobre Deus, a religião e a vida. Tais ideias foram posteriormente publicadas num livro chamado “Pensamentos”. Ainda hoje em dia é publicado. De há muito tenho um exemplar, com outro nome, publicado pela Companhia das Letras, se não me engano. Expõe Mlodinow, não obstante depois do transe Pascal tenha denunciado a matemática, em meio à sua visão de futilidade da vida mundana, no livro faz uma exposição na qual aponta a arma da probabilidade matemática diretamente para uma questão teológica. Faz minuciosa análise dos prós e contras de nossos deveres para com Deus como se estivesse calculando matematicamente a sabedoria de um apostador. Sua grande inovação, segundo Mlodinow, foi a criação do “método de contrapesar esses prós e contras, um conceito chamado atualmente de esperança matemática”. Nesse espaço não cabe análise mais aprofundada do assunto. Loucuras à parte, achei sensacional, coisa de gênio, a análise de Pascal. Partiu ele do pressuposto de que se não se sabe se Deus existe ou não, há a probabilidade de 50% para cada proposição. Como se deve entretanto ponderar essas probabilidades ao se decidir se devemos ou não levar uma vida pia? Se agirmos piamente e Deus existir, nosso ganho – a felicidade eterna – será infinito. Se, por outro lado, Deus não existir, nossa perda, ou retorno negativo, será pequena – os sacrifícios da piedade. Para ponderar esses possíveis ganhos e perdas, propôs Pascal, multiplicarmos a probabilidade de cada resultado possível por suas consequências e depois as somarmos, formando uma espécie de consequência média ponderada. Em outras palavras, a esperança matemática do retorno por nós obtidos com a piedade é meio infinito (nosso ganho de Deus existir) menos a metade de um número pequeno (nossa perda se Deus não existir). Ele entendia suficientemente o infinito para saber que a resposta a esse cálculo é infinita, e assim, o retorno esperado sobre a piedade é infinitamente positivo. Assim, ele concluiu: “Toda pessoa razoável deveria portanto seguir as leis de Deus" - (conclusão conhecida hoje como “Aposta de Pascal”, fundação da disciplina matemática “Teoria dos Jogos”). Vexata Quaestio. Para refletir.

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