domingo, 2 de março de 2014
DNA
Na época de Machado de Assis não se fazia exame de sangue, nem tampouco de DNA. Ezequiel com efeito pode ter sido o pai do filho de Capitu, mas não havia certeza. É inegável quando os filhos crescem geralmente se parecem com os seus pais. Parecer com vizinho ou amigo com efeito não é normal. A incerteza faz muito mal pra quem não entende que pai é aquele que cria, particularidade de mais fácil aceitação todavia quando se sabe de antemão de onde partiu o espermatozoide.
Dia desses, assisti a programa fuleiro em que casal café com leite trocava farpas por conta do filho loiro. A mulher irredutível. É dele. E o sujeito injuriado. Me traiu. E o rolo com acusações infindáveis. Puxou-se a família. A jararaca da sogra. Nessas horas sempre se vai atrás das origens. Qualquer deslize é mote suficiente.
Depois do bafafá, abriu-se o exame. O rebento era filho do negão. Conheço sujeito muito gente boa, malgrado algumas idiossincrasias. Certa feita o encontrei abraçado com uma árvore na praça de Casa Forte. Não há nada de estranho em revelar o amor que se sente pela natureza. Mas às vezes se extrapola. Envereda-se até pelo reino animal. Um caruaruense se apaixonou por uma jumenta. Pode isso?
Quando morava ao lado do Arriégua __ cujo dono é Ceará, o buchudinho que é, ou era, professor de economia da UFPE, e é muito gente boa__ implicava com colega por meio de galinha imaginária chamada cocó, que alegava ser sua paixão de infância. Ele ficava furioso. Sobretudo quando refazia os diálogos amorosos: cocozinha meu amor . . .cocó . . có. Lembra até Lolita de Nabokov: “Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes.”
Mas que volto à arvore de Casa Forte. Nem sei se se trata do Jatobá. Não me lembro. Mas o sujeito tava feito lesma, esparramado de braços abertos. De fato ele é gente boa, mas os seus circuitos mentais frequentemente necessitam de lubrificação. Conheci-o apaixonado por uma moça muito mais jovem e bonita, apesar de casado e com uma ninhada de filhos. Aquilo o massacrava. Pois bem, descasou-se e por puro lance de sorte travou relacionamento com a beldade.
Depois de pouco tempo, a moça estava completamente apaixonada. Ele entretanto deu ré. A coisa desandou. Fato é que existia uma gordinha no meio do caminho. Namorada da adolescência. Casaram-se no juiz e tudo. Amor pra todo lado. Legítimo. Pelo menos no dizer de suas confidências.
Mas aí os efeitos do tempo e da convivência não perdoaram. Bem, vai passar muito tempo no banheiro? O fim. Não há amor que resista. Nesse ínterim, filho.
A paixão mudou de direção, mas as inconveniências persistiram. Diferentemente de Bentinho, bateu-lhe na cachola certa incongruência de datas antes de o rebento completar um ano. Disfarçadamente, colheu um pouco de saliva e fez o DNA. O filho não era seu.
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