domingo, 21 de abril de 2013

Preocupação é foda

Preocupação é foda. O meu finado irmão Afrânio Samuel, coração de elefante, sistema nervoso cabeça de alfinete, em certa fase da vida perseguia problemas. Quero te mostrar uma coisa. O que é? Vem ver aqui no banheiro. Fui. Coloca o ouvido juntinho, tá ouvindo? Com muita insistência, sonzinho de ínfimo vazamento no aparelho de descarga. Rebati na hora: deixa essa “bosta” pra lá! Que aumente, quando inundar a cozinha a gente chama um encanador. Ele não se aguentava e morria de rir: é mesmo, é mesmo . . . Estava no fundo do poço. Só queria ouvir de minha boca que aquilo não valia nada. Mas é assim, quando não há freio, o nível de preocupação vai aumentando, aumentando, até agigantar-se de tal forma que se enlouquece. Não que a loucura seja de todo ruim: “O homem é tanto mais feliz quanto mais numerosas são as suas modalidades de loucura” (Erasmo de Rotterdam, Elogio à Loucura; apesar de escrito no início do século XVI, o livro é muito atual). Mas há os “normais” que se preocupam com a vida dos outros, numa disputa desmedida. Certa feita, estava eu à espera de sessão de fisioterapia, lendo “contigo” com capa puída de três anos atrás, adrede posta numa mesinha para os pacientes (literalmente), quando presenciei duas senhoras travarem embate sobre a qualidade (especialidade) e quantidade dos médicos que consultavam. De otorrino a ginecologista, passando por ortopedista, oftalmologista, endocrinologista etc. Até nisso. E se preocupam com a opinião dos outros. Aqui, o “mundo” é vasto. Da aparência ao desempenho sexual. Mas isso só ocorre, na minha modesta opinião de observador, na dita classe média, que com efeito dorme atolada em preconceitos. A mente é suja de antemão: basta um homem e uma mulher despidos se esfregarem às 8 hs da noite em frente a um shopping para concluir-se pelo atentado violento ao pudor!

Mecanicismo

Mecanicismo grosso modo é uma teoria filosófica determinista segundo a qual todos os fenômenos se explicam pela causalidade mecânica ou em analogia à causalidade mecânica (causalidade linear ou, instrumentalmente, como meio para uma causa final). Mas tem certas coisas que não se explicam. Vou dizer uma na bucha: amor. Sobre o sentimento, assim se expressou o poeta maior português: Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É um cuidar que se ganha em se perder. É querer estar preso por vontade É servir a quem vence o vencedor, É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade; Se tão contrário a si é o mesmo amor? Há certos indícios. Vá lá a atração, que não prescinde de antemão de certas particularidades físicas, seja aperitivo, mas com efeito nem perto chega. O respeito, a consideração, a amizade, o companheirismo, tudo enfim leva ao sentimento, mas não se pode dizer constituam premissas necessárias. A não ser assim, o “gaiúdo não tinha tanto amor pela traíra. Interessante o amor porvir. Nunca te vi sempre te amei. Aqui, pura invencionice da solidão. Alguns entendem o amor que fica, ou o amor verdadeiro seja o amor de Pica. Em realidade, pode-se tripartir o amor em Agapê, Fileo e Eros. O primeiro é o incondicional: eu te amo mesmo que tu não me ames. O segundo, é o retributivo: retribui-se o amor na medida do amor que se recebe. O último, o relacionado ao sexo. Não acredito este último seja o que fica. Se fosse assim, as prostitutas, experts na arte do prazer, “prenderiam” todos os seus amantes. Demais, sexo é sexo. Fazer “amor” é bom em si. Sinceramente, com pouco amor é bem melhor. Mas retorno às causas. Há mais mistérios entre o amor e as suas causas do que julga nossa vã psicologia.
O discurso é o mesmo. Do pó vieste e ao pó retornarás (Gênesis, 3:19). Se bem que agora pode-se fazer liquefação, vulgo hidrólise alcalina; vira-se líquido. Tudo é cíclico. O mundo dá voltas. E me perguntam por que voltei ao ônibus. Sei lá. Acho que pra ver gente. Pois que gente é gente em qualquer lugar. Cabeça, olhos, braços, pernas, barriga, sexo. O resto é roupa. Dia desses, uma ruiva. Cabelinho temeroso do mais tênue chuvisco. À base de chapa pequena. Jeans apertado. Sentada confortavelmente naquele sol das 13hs. Headfone e um livrinho. Fiz vista comprida: “Memórias de minhas putas tristes”, de Gabriel Garcia Marquez. Pois é assim. Pensar que há capas que nunca leram um romance na vida, e só são capas. E os juízes se acham Deuses. Acima de tudo e de todos. Fiz uma prova do Direito Romano na FDR que uma das perguntas era a seguinte ipsis litteris : “O primeiro Rei de Roma foi? _ _ _ _ _ _” Deve ser por isto: o grande cabedal que se consegue na graduação. Ou será pelas difíceis interpretações das laboriosas legislações confeccionadas pelos nossos insignes parlamentares? Sei não. E aludo ao grande poeta Inglês: Hamlet: Pode-se pescar com um verme que haja comido de um rei, e comer o peixe que se alimentou desse verme. O Rei: Que queres dizer com isso? Hamlet: Nada; apenas mostrar-vos como um rei pode fazer um passeio pelos intestinos de um mendigo.