terça-feira, 16 de novembro de 2010

Maratona do Recife 1

E depois de um quilômetro deu vontade mijar. Olhei pra o comparsa George e disparei: George, vou procurar um “matin” pra dá uma mijadinha __ estávamos em cima do viaduto das cinco pontas __, no que ele retrucou: pô Benedito, tu és formado em Engenharia, em Direito, é auditor da Receita e fala “matin”?
Fazer o quê? Não se pode negar as origens.
“Matin”, pra quem não decifrou até agora, é “matinho”, mato, árvore, arbusto, qualquer coisa que possa momentaneamente esconder o sujeito dos olhos dos outros.
Mijei atrás de um muro.
E  lembrei-me  “ouro de tolo”.
Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês...

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73...

Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado
Fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa...

Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa...

Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado...

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "e daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes prá conquistar
E eu não posso ficar aí parado...

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Prá ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos...

Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco...

É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal...

E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social...

Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar...

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...

Ah!
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar...

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...

Maratona do Recife

Ontem corri a primeira maratona do Recife. Minha terceira maratona no ano. Não tenho do que me queixar: não obstante o sol, o pouco “volume” de treinamento e a falta de água na metade do percurso, concluí em 4.23hs; fui o oitavo, de um total de 20, por faixa etária (50 a 54 anos), e o 91º de 174 inscritos. Pra mim, tá bom. Mais rápido pra quê?
Até o final do ano, não corro mais maratona. Fica para o próximo . . .
E falando em sol, em maratona e em satisfação, lembrei-me  “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. De Fabiano:

Cumprida a obrigação, Fabiano levantou-se com a consciência tranqüila e marchou para casa. Chegou-se à beira do Rio. A areia fofa cansava-o, mas ali, na lama seca, as alpercatas dele faziam chape-chape, os badalos dos chocalhos que lhe pesavam no ombro, pendurados em correias, batiam surdos. A cabeça inclinada, o espinhaço curvo, agitava os braços para a direita e para a esquerda. Esses movimentos eram inúteis, mas o vaqueiro, o avô e outros antepassados mais antigos haviam-se acostumado a percorrer veredas, afastando o mato com as mãos. E os filhos já começavam a reproduzir o gesto hereditário.
Chape-chape. Os três pares de alpercatas batiam na lama rachada, seca e branca por cima, preta e mole por baixo. A lama do rio, calcada pelas alpercatas, balançava.
A cachorra Baleia corria na frente, o focinho arregaçado, procurando na catinga a novilha raposa.
Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos __ e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.
Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aio um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.
__Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

A sensação de completar uma maratona é indescritível.

Estou no aguardo das fotos. Anexo entretanto o gráfico do garmin.